O vínculo com um cabeleireiro/barbeiro de confiança, apesar de muitas vezes subjugado, é um dos mais fortes, honestos e duradouros que temos em nossas vidas. Justamente por isso, quando nos mudamos para outro lugar, todo aquele processo de procura, pesquisa e encantamento é minuciosamente retomado. O cabelo é um dos seus cartões de visita mais aparente e representa um traço importante da sua personalidade, seja pelo excesso de zelo ou por seu despojamento.
Felizmente, faz anos que encontrei um corte que me agrada e que é fácil de manter, o que me permitiu maior permeabilidade na dura busca pelo mestre das tesouras ideal. Em Portugal não foi diferente. Bom, na verdade foi.
Recém chegado em Lisboa, me esgueirei por entre as ruas de pedras portuguesas em busca de um novo hairstylist. No Porto, cortava num salão com uma pegada bem brasileira, embora fosse uma portuguesa a responsável pelas minhas madeixas. O mais incrível é que, mesmo tendo cabelo grande, o corte custava 5 euros, isso tudo porque eu sou homem. Uma mulher com cabelo curto pagaria 10 euros. Vai entender...
Privilégios patriarcais à parte, não tardou a se oferecer, de forma gritante e efusiva, um cartaz enorme com a mensagem 4 EUROS O CORTE, seguido de um topete do Cristiano Ronaldo. Sim, isso mesmo, um corte completo de cabelo por apenas quatro euros. Seria possível?
Empolgado pela descoberta, conversei com alguns amigos locais e eles logo me passaram a planta: são os cabeleireiros indianos. Os depoimentos não foram dos melhores e, de repente, pareceu fazer sentido o custo tão baixo das tesouras alheias.
Como sou uma pessoa curiosa e que gosta de desafios, decidi pagar (pouco) para ver e adentrei a um desses famigerados recintos. No lugar, o barbeiro indiano conversava com outro colega conterrâneo em sua língua nativa. Dei “boa tarde” e perguntei se havia alguém disponível. Sem falar uma palavra (pelo menos em português), o indiano me guiou até a cadeira, prendeu uma capa protetora com fita adesiva nas minhas costas e seguiu conversando com o amigo.
Opa, então, eu queria só passar a máquina 1 aqui dos lados e cortar as pontas, ok?
O indiano assentiu com a cabeça e começou seu processo capilar nada ortodoxo. As mãos eram pesadas e a máquina, por muitas vezes, passava perto de machucar. No entanto, o profissional agia meticulosamente e deixou o cabelinho na régua, como diria o outro. Fiquei positivamente surpreso.
Quando foi para cortar as pontas, mais novidades: nada de molhar o cabelo, o corte era no seco mesmo, com direito à escova para desembaraçar meu sofridos fios, que estavam a tarde toda úmidos e presos. Achei graça e resolvi deixar na mão de Deus.
Depois de tudo, o indiano veio com o espelho pequeno clássico dos barbeiros, para mostrar o serviço na retaguarda. Olhei atentamente e fiz o famoso sinal do Ronaldinho (mentira, foi um dedo positivo) para mostrar que estava satisfeito. Catei as moedas do bolso e paguei ao profissional, que ainda tentava fazer meu coque, sem sucesso. Fiquei parecendo uma palmeira, mas também não queria magoar meu mais novo amigo
.
Antes de nos despedirmos, ele me deu um cartão-fidelidade; quando completar quatro cortes, fico com o quinto de graça. Novamente, sem falar uma palavra em português, apertamos as mãos e eu segui meu caminho de volta à casa. Os 4 euros mais bem gastos da minha vida, possivelmente.
Texto de Gabriel Cassar - Jornalista e escritor, residente em Portugal e nosso colunista quinzenal.
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